Visite nos
visit@inhacaislandtourism.com
Contacto
+258 86 996 8682
visit@inhacaislandtourism.com
+258 86 996 8682
Mitos, Lendas e a Sabedoria da Terra
Património rico em sabedoria ancestral sobre flora, fauna e as leis da natureza, base da cultura moçambicana.
Apenas a 32km de Maputo, protegendo a Baía dos ventos fortes e servindo como ponto estratégico.
Rituais, cerimónias e tabus que compõem a "lei ambiental" local para a gestão sustentável de recursos.
Os povos de Moçambique possuem um património rico de conhecimentos sobre flora, fauna e as leis da natureza. A sabedoria e experiência no uso dos recursos naturais são parte integrante da cultura moçambicana. Contudo, este conhecimento profundo e secular mostra-se "invisível" a olhos exteriores como os das entidades que concebem e executam projectos de desenvolvimento. Muitas vezes acontece que no processo de desenvolvimento económico se ignora e se exclui a preservação deste património.
As tradições regulam grande parte do comportamento social e a exploração do meio ambiente, sendo nas zonas rurais como a Ilha da Inhaca onde sabedorias antigas mantêm a sua dinâmica. Este conhecimento encontra-se recoberto de mitos e superstições. Certos rituais, cerimónias e tabus são ainda hoje a "lei ambiental" que gere o uso sustentável e a conservação de recursos vegetais e animais.
Apesar da sua proximidade com a capital, na Inhaca sobrevivem ainda valores que nas restantes periferias de Maputo foram já profundamente perturbados pelo processo de urbanização. Neste livro se reúnem mitos, superstições e práticas tradicionais que compõem a história e a sabedoria indígena dos habitantes da Ilha da Inhaca. Uma das intenções desta publicação é mostrar como é vital que se consulte a realidade cultural e se dialogue com as sabedorias locais.
O presente régulo da Ilha da Inhaca, Evenisse Nhaca, de 82 anos, é um dos descendentes direto do primeiro chefe da ilha.
Os primeiros habitantes Tsongas chegaram através da península de Machangulo. O nome da ilha deriva do clã dos Nhaca.
Embora o poder administrativo tenha sido assumido pelos Manganhela por volta de 1730, os Nhaca mantiveram o poder religioso, realizando as cerimónias dirigidas aos espíritos ancestrais. Em 1994, os descendentes Nhaca reivindicam o seu antigo estatuto como "donos" da ilha, com Evenisse Nhaca sendo escolhido como régulo.
Lenda do Norte: A origem dos primeiros habitantes é contada numa lenda sobre os que vieram do Norte, sustentada pelo facto dos mortos na ilha serem enterrados com a cabeça virada para essa direção: "De onde todos nós viemos". O náufrago Nhaca chegou à deriva, casou-se e povoou a ilha com os seus cinco filhos varões.
Chegada de Lourenço Marques
Estabelecimento de posto comercial português na Ilha dos Portugueses para exploração do marfim. Os ilhéus eram conhecidos por acolher náufragos.
Tentativas de Controle
Austríacos "compraram" metade da Inhaca e a Ilha dos Portugueses. Britânicos (1822) estabeleceram posto em Ponta Torres.
População e Economia
A população é de cerca de 5.000 (etnia Tsonga, dialeto "Chindindinhe"). A economia é baseada em pesca, agricultura e migração para a África do Sul.
Espíritos Antepassados
O corpo desfaz-se, mas o espírito torna-se protetor e continua a interferir na vida dos vivos.
Árvore Sagrada
Um canhoeiro ou mafureira, marcado com pano branco, facilita a ligação entre os vivos e os espíritos.
Curandeiros
Utilizam o 'mu-Nguni' (leitura de conchas) para diagnóstico e aplicam tratamentos tradicionais.
O povo da Inhaca acredita essencialmente na transformação das pessoas que morrem em "espíritos antepassados". A transição só acontece se os ritos funerários necessários forem cumpridos. A sua mitologia é dominada por elementos terrestres (florestas e pântanos), refletindo a origem agro-pastoril do povo Tsonga, com pouca representação do mar.
As almas familiares (tinguluvé) habitam o gandzelo, onde se depositam oferendas como o *uputsu*. Apenas o chefe de família tem competência para fazer pedidos a estas almas.
As nyangas (curandeiras) usam um profundo conhecimento da natureza e sociedade. Os chingomas (feiticeiros) utilizam o 'mu-Ndau' (encarnações de espíritos em transe) e são procurados para males gerados no mundo da feitiçaria, como o espírito perturbador "moloi", que aparece à noite.
A dependência humana dos recursos naturais tem sido exprimida em práticas espirituais desde tempos imemoriais. Ainda hoje, o povo da Inhaca recorre a rituais onde se invocam os antepassados. Durante estas cerimónias a acção mais comum é a kupatha, ou o "partilhar" da terra onde foram enterrados os antepassados como um gesto de agradecimento. As cerimónias de carácter comunitário na ilha são normalmente dirigidas pelo régulo, alguns anciãos e por um feiticeiro. Sempre que hajam calamidades na ilha como secas ou mortes em grande escala, também se realizam cerimónias espirituais.
Muitos rituais caíram hoje em desuso embora memórias destes tempos estejam ainda presentes no espírito dos mais velhos. Os dias em que se realizavam certas cerimónias eram declarados feriados pois o trabalho não podia estar associado com este tipo de acontecimentos espirituais. Durante o ciclo agrícola realizam-se algumas cerimónias como a da chuva no mês de Setembro que tem como objectivo favorecer as sementeiras, e a da frutificação do canhoeiro que é celebrada em fins de Janeiro. Por vezes, alguns feiticeiros reunem-se junto ao "Nwaduku", um barco afundado ao largo da Inhaca, para "adquirirem" sementes e tornarem as terras mais férteis. Este ritual consiste numa viagem feita em espírito até à Província de Inhambane, onde existem muitas sementes.
Esta cerimónia envolve o sacrifício de um cabrito preto em homenagem aos antepassados. A cor do animal significa a escuridão das nuvens quando estão carregadas de chuva. Os ilhéus dizem que quando a cerimónia é bem conduzida, a chuva começa a cair antes dos participantes regressarem a casa.
A cerimónia da época do canhu, o fruto do canhoeiro, é a maior festa da comunidade. O chingoma consulta os espíritos e transmite as suas exigências ao régulo. A seguir o régulo, o chingoma e alguns anciãos dirigem-se à floresta sagrada de Manganhela onde se realiza a cerimónia. Com eles levam bebidas tradicionais e alguns animais como cabritos e galinhas para serem sacrificados. Finda a cerimónia os participantes abandonam a floresta mas deixam os restos da bebida e comida no local como oferta aos espíritos. No caminho de regresso ninguem deve olhar para trás para o encanto da cerimónia não ser destruído.
Os curandeiros dão um banho de algas piladas e sal às pessoas que precisam de ser "purificadas". Os ilhéus rapam a cabeça para demonstrar uma fase de transformação pessoal que sucede este ritual de limpeza. Esta purificação pode ser necessária após um enterro, para "limpar" aqueles que estiveram junto do morto. Nos funerais, utilizam-se estacas de mafurreira para amarrar a viúva do falecido. Se este tiver mais que uma esposa, é apenas a primeira, a "mulher grande" que cumpre este ritual de purificação familiar. Existem outras cerimónias que caíram já em desuso na ilha. Este é o caso do "Mbelele", realizada por anciãos em zonas pantanosas ou junto a lagoas. Durante a cerimónia contavam-se estórias em canções e o povo dançava em redor das lagoas.
Segundo os ilhéus, no ano de 1975, fez-se uma campanha para abolir o poder tradicional na ilha. Todos os habitantes da ilha que se julgasse serem feiticeiros ou curandeiros foram presos. Durante uma reunião realizada pelos feiticeiros para explicar à população da ilha a importância das suas actividade, um deles chamado Teguene fez o seguinte relato:
"Chamo-me Teguene, sou da Provincia de Inhambane, distrito de Zavala. Saio com os meus colegas no navio do Farol, Nwaduku, com destino a Inhambane, rebocando seis barquinhos, a fim de irmos buscar caju e amendoim. Quando lá chegamos ancoramos o navio longe e saímos com os barquinhos para fora, carregamos os produtos, voltamos ao navio e regressamos à ilha. Durante o trajecto de ida e volta a Inhambane lemos de comer carne de pessoas. Por isso quando num ano há muito caju ou amendoim também existe muita mortalidade, sendo os tais que comemos durante a viagem no navio Nwaduku. No navio existem maquinistas, cozinheiros, serventes."
No fim do relato ele disse: "Poderão arrancar-me estas coisas de feitiçaria mas a população da ilha nunca mais terá caju e amendoim". A partir daquele ano nunca mais houve caju nem amendoim na Inhaca. Hoje em dia, esta fantasiosa viagem espiritual efectuada pelos feiticeiros usando um barco afundado já não é mais difundida. Este navio misterioso encontra-se afundado perto do farol, na ponta Norte da ilha. Os mergulhadores chamam este local de "reco", um aportuguesamento da palavra inglesa "wreck", enquanto que os ilhéus deram-lhe o nome de "Nwaduku". O barco, SS Tecush, encalhou ao largo da Inhaca e era pertença das forças aliadas durante a II Guerra Mundial.
A vida familiar na Inhaca é gerida pelo regime patrilinear. Os filhos homens pertencem ao pai e apenas estes têm direito a serem herdeiros. As filhas casam-se através de lobolo, um pagamento estipulado entre o pai ou o chefe de família e a família do noivo. O pagamento é efectuado à família da noiva em géneros ou em dinheiro, e serve de compensação pela falta que a filha vai fazer no seio familiar. A poligamia é também praticada na ilha. Os homens que possuem meios para sustentarem várias mulheres, casam-se depois da primeira vez, com mulheres cada vez mais jovens.
Os mutis constituem não só o espaço de habitação de cada família mas também uma unidade de produção agrícola e por vezes religiosa como no caso dos curandeiros. Os mutis situam-se num espaço aberto na floresta e os seus limites são delineados por uma paliçada de plantas espinhosas. Normalmente existem duas entradas para o muti. Uma que serve de entrada principal e outra orientada para o mato, lugar de actividades higiénicas da família. Relativamente à tradição moral, uma das regras fundamentais é o respeito para com os mais velhos, especialmente aqueles pertencentes ao mesmo grupo familiar. Por exemplo, na presença de uma pessoa mais velha, um jovem deve-se sentar sempre num nível mais baixo que a pessoa idosa.
Todas as crianças que nascem são apresentadas à lua durante o quarto crescente. Nesta altura o bebé é depositado sobre cinzas no chão de um lugar sagrado. É uma mulher de idade que pega na criança e apresenta-a à lua. De seguida o recém nascido é erguido por uma criança de sete anos. Esta caminha com o bebé e vai dizendo: "Encontrei o filho! Encontrei o filho!", enquanto a família festeja. O objectivo desta cerimónia é que o recém nascido cresça saudável e não adoeça. Outro tipo de protecção como vacinas tradicionais são aplicadas por curandeiros.
As festas tradicionais de matrimónio duram oito dias. Na manhã seguinte aos noivos terem dormido juntos pela primeira vez a família quer certificar-se da virgindade da noiva. Se o noivo sai da palhota onde passou a noite e se senta num tronco de árvore, então todos saberão que a noiva já foi "invadida". Mas se, em vez do tronco, o noivo escolhe uma esteira para se sentar então a família certifica-se da virgindade da noiva e todos celebram com alegria.
Quando alguém morre na ilha os espíritos dos antepassados são invocados para receber o defunto numa cerimónia que se realiza à sombra de uma árvore frondosa. Manda a tradição que todos os membros de uma família sejam enterrados no cemitério familiar e, com a cabeça virada para norte. Mesmo os familiares que se deslocaram para longe são, sempre que possível, enterrados neste mesmo lugar. Esta tradição baseia-se no desejo dos familiares de terem os seus próximos enterrados a seu lado. Os mortos deram também origem às "florestas sagradas", porque funcionam como cemitérios de famílias importantes.
Existem casos, como bebés e de pessoas doentes ou deficientes, em que o enterro é efectuado junto a zonas com água em vez de terra firme. Este procedimento baseia-se na crença de que estes mortos "atraem a seca". Por isso são enterrados em zonas húmidas como lagoas e pântanos, para que os seus espíritos não afugentem a chuva e não sequem a terra. Ao longo do tempos deram-se alterações nos rituais fúnebres da Inhaca. Antigamente o tecto da casa do falecido era colocado junto à campa e não havia o hábito de se depositarem flores. Antes o morto era envolvido numa esteira mas hoje em dia já se utilizam caixões.
A forma como o povo da Inhaca se relaciona com o meio ambiente reflecte-se em tradições e crenças do imaginário local. No seu dia a dia, pescadores e camponeses observam os fenómenos da natureza. É a interpretação destes sinais que gere ainda grande parte das actividades na ilha. Os ilhéus possuem um conhecimento profundo sobre as implicações do ciclo natural das estações, da lua e das marés. Assim, a boa pesca associa-se às marés vivas durante a lua cheia e, a altura mais propícia para o cultivo é o mês de Setembro, antecedente à época chuvosa nesta região.
O vento que sopra do Sul é normalmente um indicador de tempestades e mau tempo. O vento sopra forte e durante alguns dias os pescadores não se aventuram para longe da costa. Contam os pescadores que, na zona de Machangulo, existe uma pedra chamada Hulo, que assobia quando o vento vem do Sul. Este assobio faz-se ouvir na ilha e avisa que o tempo vai mudar. Muitos acreditam que no céu estão escondidas duas grandes pedras e quando Deus ordena, estas pedras encontram-se e lutam entre sí. Assim, gera-se a trovoada e os relâmpagos, origem de muitos medos e superstições na ilha. Quando um relâmpago cai perto do muti, a família convoca um adivinho para retirar o mal que se instalou debaixo da terra. Se este procedimento não é executado a família corre o risco de ter "má sorte".
A Inhaca nem sempre foi uma ilha, tendo o seu aparecimento resultado da variação do nível das águas do mar nos últimos 20.000 anos. Uma subida das águas do mar provocou um "corte" nesta região dividindo-a em duas partes - a Península de Machangulo e a Ilha da Inhaca. A figura 1 mostra os limites da península à 30.000 anos. Os corais que existem actualmente em redor da costa da ilha são uma sobrevivência dessa antiga linha costeira. Na figura 2 apresentam-se as variações causadas pela subida do mar desde à 17.000 anos.
A Inhaca está localizada numa zona de transição entre o clima tropical e o temperado quente. Isto faz com que ao longo do ano se distingam apenas duas estações. A estação quente e húmida de Outubro a Abril e a estação fria e seca de Maio a Setembro. A temperatura média anual é de $23^{\circ}\text{C}$, com valores mais altos registados em Fevereiro ($37^{\circ}\text{C}$) e os mais baixos em Julho ($12^{\circ}\text{C}$). A época da chuva é mais acentuada nos meses de Janeiro e Fevereiro. Os ventos Sul e Este são dominantes nesta região. Estes influenciam a configuração topográfica da ilha e são responsáveis pela deslocação de areias nas dunas ao longo da costa.
As águas do mar ao largo da costa oriental da ilha são ricas em espécies de peixes. Entre os mais comuns estão os atuns, xixarro e o pequeno peixe voador. Nestas águas encontram-se ainda peixes de bico, veleiros e marlins. Principalmente durante os meses mais frios, entre Maio e Agosto, podem ser avistadas baleias em migração da Antárctica até aos litorais da Província de Inhambane onde se reproduzem. As espécies de baleias mais comuns nesta zona são a **baleia Jubarta (Megaptera novaeangliae) e a baleia Minke (Balaenoptera acutorostrata). Entre as espécies de golfinhos que habitam estas águas durante todo o ano, encontram-se o golfinho Narigudo (Tursiops truncatus), o golfinho Corcunda do Indo-Pacífico (Sousa chinensis), o golfinho Girador (Stenella longirostris) e o golfinho comum (Delphinus delphis) e o golfinho pintado (Stenella attenuata).
Enseada do Sul ("O Saco da Inhaca")
Esta enseada é a zona de mangal mais extensa e importante na ilha. Esta área recebe água doce e água do mar, servindo de habitat para inúmeros organismos. No seu fundo arenoso habitam carapaus, camarões e caranguejos enquanto que nas áreas mais lodosas existem ostras, moluscos e crustáceos. Diversas espécies de aves, entre estas o flamingo, procuram o seu alimento entre os canais e baixios desta zona.
Enseada do Norte
A enseada do Norte da Inhaca é delimitada a Sul pelo mangal, a Este pelo Farol e a Norte pela Ilha dos Portugueses. Para além do mangal, nesta enseada existem também pequenas formações de corais e ervas marinhas. Os seus canais são ricos em peixes, caranguejos, ouriços, poliquetas, bivalves e enteropneustos.
Baía de Maputo
A Baía de Maputo ocupa uma área de $960\text{ km}^2$ com águas pouco profundas. Embora as águas da baía próximas do continente sejam turvas por causa dos rios que aí desaguam, o mar em redor da ilha é transparente devido à proximidade e influência do Oceano Índico.
A zona entre-marés, que ocorre principalmente nas águas calmas do lado Oeste da ilha, está coberta por tapetes de ervas marinhas e algas. As ervas marinhas não são algas, mas plantas terrestres que se transferiram da terra para o mar. Estes tapetes constituem uma importante fonte de alimento para peixes, tartarugas marinhas (Chelonia mydas) e dugongos (Dugong dugon).
O dugongo encontra-se em sério risco de extinção sendo a sua presença nestas águas cada vez mais esporádica. Numa última contagem registaram-se apenas 7 indivíduos nas águas junto à ilha. O dugongo é caçado pela população através das redes de emalhe. As folhas secas das ervas marinhas são utilizadas pela população como alimento para o gado caprino e estrume para as machambas.
Os corais da Inhaca, por serem dos mais austrais do mundo, são considerados biologicamente importantes a nível mundial. Quarenta e cinco géneros de corais pertencentes a 16 famílias foram já registados. Os corais são localmente chamados de tikontwenl. Alguns, incluindo os corais negros, são raspados de modo a obter-se um pó utilizado na medicina tradicional.
Os três principais recifes da ilha são considerados Reservas Marinhas sob protecção da Estação de Biologia Marítima: o Coral da Barreira Vermelha (parte ocidental), o **Coral da Ponta Torres (Sul), e um recife localizado na zona oceânica a cerca de 5 km a Leste da ilha.
Existem cinco tipos de habitats terrestres: mangais, pântanos, vegetação de praia, áreas de agricultura e florestas. Algumas são consideradas sagradas por aí se realizarem cerimónias espirituais ou por estarem rodeados de superstições.
[Mapas de Distribuição de Habitats Terrestres e Reservas Naturais/Marinhas.]
Mangais
Os mangais encontram-se dispersos por toda a ilha. As quatro espécies de árvores predominantes são Avicennia marina, Ceriops tagal, Bruguiera gymnorrhiza e Rhizophora mucronata. Têm uma função importante contra a erosão da linha costeira.
Pântanos
A vegetação predominante é o caniço (Phragmites australis)**, e o papiro (Cyperus papyrus). Este habitat é afetado pela acção do homem na procura de terras para a agricultura e materiais de construção.
Áreas Cultivadas
A maior parte da ilha está ocupada por machambas e campos em pousio. As culturas mais comuns são a mandioca, o milho e a mapira. Há árvores nativas (canhoeiro, mafurreira, massaleira) e exóticas (cajueiro, mangueira).
Praias
Na costa oriental está a Reserva Terrestre de Inguane para protecção dos ninhos de tartarugas marinhas e florestas dunares. A vegetação "pioneira" das praias tem um papel vital na estabilização de areias.
As florestas dunares são vitais para fixar as areias. Algumas florestas são sagradas por serem cemitérios de famílias importantes ou por serem rodeadas de lendas:
Todos os anos, entre Novembro e Janeiro, aproximadamente 100 fêmeas são escravadas por tartarugas bobo (Caretta caretta) e tartarugas de couro (Dermochelys coriacea). A tartaruga de couro é a maior de todas as tartarugas marinhas, podendo mesmo pesar $400\text{ quilos}$. Nove anos após o seu nascimento, as mesmas tartarugas voltam à praia onde nasceram para desovar.
O caranguejo fantasma (Ocypode madagascariensis) é um dos mais conspícuos habitantes das praias e ataca as pequenas tartarugas acabadas de desovar. A protecção destes ninhos tem sido bem sucedida pois apenas $4\%$ dos ovos postos anualmente chegam a ser roubados pelos pescadores.
Nos meses de Outubro a Novembro, um guarda da Estação de Biologia Marítima chamado Raimundo Singa percorre a pé, todas as madrugadas, 12 quilómetros da costa oriental para apagar as marcas de tartarugas que durante a noite vieram desovar à praia. Deste modo aimundo despista os pescadores que pretendem levar os ovos e assinala também de forma discreta a localização dos ninhos. Nas suas andanças para proteger as tartarugas, Raimundo já percorreu mais de $39.000\text{ Km}$. Esta distância equivale a duas viagens de ida e volta de Londres a Maputo.
A fauna terrestre e marinha é usufruída de diferentes maneiras pelo povo da Inhaca. Como alimento, os peixes, moluscos e crustáceos são a maior fonte de proteínas para a população, sendo também utilizados na preparação de remédios tradicionais. Os ilhéus muitas vezes observam e interpretam o comportamento de certos animais como prenúncios para os fenómenos da natureza. Por exemplo, quando os sapos coaxam nos pântanos e se as formigas cavam buracos para se esconderem significa anúncio de chuva.
O varano do Nilo (Varanus niloticus) habita junto às lagoas. Se uma pessoa avista um lagarto varano na altura da desova é sinal de azar, e o melhor é desistir de levar a cabo os seus planos imediatos. O mesmo acontece com o camaleão quando este deposita os seus ovos num local onde passam pessoas.
Inúmeras superstições rodeiam as cobras. Os ilhéus acreditam que se uma pessoa se cruza com uma cobra e esta não pára é sinal de azar. A vibora sopradora ou xitsatlha (Bitis arietans) e a cobra das árvores ou ticutsu (Thelotornis capensis mossambicanus) provocam tais reacções. Os ossos da jibóia ou hlastu (Python sebae) são usados pelas parteiras tradicionais no caso de haver dificuldades num parto.
A Ilha da Inhaca é bastante rica em pássaros, com mais de duzentas espécies registadas.
Pássaro Martelo (massele)
O ninho incorpora ossos humanos e de outros animais. Quem destrói o ninho do massele corre o risco de ficar maluca. Os ossos são usados por feiticeiros para preparar uma potente vacina "anti-feitiço".
Coruja (xicova)
O canto desta ave nocturna em noites sem luar é interpretado como um sinal de infortúnio, anunciando morte ou doença. Os feiticeiros utilizam corujas para transportar massa escura durante a noite.
Maçarico-galego (tchitchichane)
Este pássaro assinala a mudança de marés. Como são eles que "chamam as marés", a sua pesca é evitada.
Corvo Indiano
O corvo indiano (Corvus splendens) não é natural da ilha, tendo-se multiplicado até se tornar na praga actual.
Porcos Selvagens
Surgiram na década de 80, alguns dizem que como "encomenda" enfeitiçada. O aumento da população causou estragos nas machambas.
Toupeira (chitulandiela)
Os ilhéus usam uma pulseira feita com pele de toupeira para tratar a filária, devido à analogia entre o parasita e o rasto da toupeira.
Hipopótamos
Em casos raros, vieram dar à ilha arrastados por cheias. Contam que se transformavam em pessoas desconhecidas. Os feiticeiros eram os únicos que sabiam "a verdade".
Baleias
O comportamento agitado das baleias perto da costa é presságio de chegada de chuvas torrenciais e tempestades. O óleo e os ossos da baleia (nkumu) são usados na medicina tradicional.
Dugongo
Os dugongos (Dugong dugon) estão na origem dos mitos das sereias, pois marinheiros antigos viam as fêmeas amamentarem as crias na posição vertical, parecendo seres humanizados.
Golfinhos
Conhecidos como mupswingswi, os golfinhos trazem sorte na pesca, sendo a sua pesca INTERDITA. Grandes grupos a saltar fora de água significam que se avizinha mau tempo.
Edição: Impacto Projectos e Impacto Ambiental, Lda
Coordenação Geral: Mia Couto
Assistente Coordenação: John Hatton
Editora / Impressão: Ndjira / Ciedima
Equipa de Anciãos: Evenisse Nhaca, David Nhaca, Lúcia Nhaca, Petros Nhaca
Ilustrações: Viriato Chiconela
Fotografias: David Chaincomo, Chico Carneiro, Adriano Macia, Mia Couto, Michelle Souto
O livro explora a cultura do povo Va-Ronga da Ilha da Inhaca, desde a sua história até o sistema de poder tradicional. Detalha mitos, rituais e a crença em espíritos antepassados (tinguluvé) que regem a vida social e religiosa da comunidade. Estas tradições funcionam como um sistema de gestão e tabus ambientais, cruciais para a conservação dos recursos naturais. A obra documenta a profunda ligação cultural entre o povo e a ilha, exemplificada pela proteção de animais sagrados e florestas.